A minha primeira formação teológica teve lugar no Seminário Adventista de Collonges-sous-Salève (França). E ali trabalhei como professor de Novo Testamento durante quinze anos, dez deles sendo, também, decano da Faculdade de Teologia. Esses foram alguns dos anos mais cheios de bênçãos do meu ministério.
Quando, muito mais tarde tive de me ver confrontado, a nível internacional, com certas correntes teológicas, dentro e fora da Igreja, surpreendeu-me constatar que, no ambiente Adventista de língua francesa que eu conhecia, tínhamos tido muito poucas discussões sobre o problema do chamado “perfeccionismo” (doutrina segundo a qual, para nos salvarmos, necessitamos de alcançar a perfeição). Buscando porquês, constatei que o versículo que causava a maioria das controvérsias era Mateus 5:48, o texto escolhido para a meditação de hoje.
Ora bem, este texto, nas Bíblias francesas mais usadas (por exemplo, La Nouvelle Bible Segond), não diz “sede perfeitos”, mas “sereis perfeitos”. Como professor de grego do Novo Testamento, é consolador para mim verificar que o texto original (que, na verdade, é tão seguro que não conta com nenhuma variante), quer dizer, o texto no qual deveriam basear-se todas as traduções, não usa o verbo “ser” (eimi) no imperativo (este), mas no futuro (esesthe); ou seja, que no grego, não diz “sede”, mas sim “sereis perfeitos”.
Isso explica porque é que os leitores dessa excelente versão da Bíblia não costumam ver neste texto, em primeiro lugar, uma ordem, ainda que o futuro também possa ter esse sentido, mas uma promessa. Se essa foi a intenção do Senhor, ou do evangelista, poderíamos ler neste texto algo parecido ao seguinte: “Para vocês, tenho um ideal sumamente elevado; desejo que cheguem a ser perfeitos, mas não vo-lo exijo agora, é uma promessa que vos faço. Se seguirem comigo pelo caminho que eu vos indico, com a ajuda do meu Espírito, consegui-lo-eis, porque isto é tarefa de Deus, não vossa.” Ao que parece, Lucas compreendeu a questão assim, já que, na passagem paralela, não fala de “perfeição”, mas sim de “misericórdia” (Lucas 6:36).
Esta leitura é, também, a que melhor concorda com os desejos de Paulo para os tessalonicenses: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis, para a vinda do nosso Senhor Jesus Cristo” (I Tes. 5:23). Deus não exige perfeição: promete-a. A santificação é uma obra divina, não humana.
Senhor, hoje Te digo, com Agostinho de Hipona: “Dá-me o que pedes e pede-me o que quiseres.”